Esquerda latinoamericana deve unir-se para enfrentar onda antidemocrática e problemas sócio-econômicos da região
NoticiasOs partidos de esquerda e centro-esquerda latinoamericanos devem somar esforços para enfrentar as ameaças à democracia e construir soluções comuns para a onda antipolítica que atinge o continente, para o alto índice de desemprego, a fome, a degradação ambiental e demais problemas sócio-econômicos e de sustantablidade que historicamente assolam a região.
Essa foi a tônica do encontro virtual «As esquerdas frente a realidade política latinoamericana», ocorrido na última semana com a participação de dirigentes da Coordenação Socialista Latinoamericana (CSL), da Fundação João Mangabeira (FJM), ligada ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), e do Centro de Estudos Municipais e Provinciais (Cemupro), do Partido Socialista argentino.
A onda antidemocrática na América Latina com a ascenção de líderes anti-sistema que pregam a tortura e atacam direitos fundamentais, a liberdade de expressão e as minorias, surgiu a partir de uma crise de representatividade democrática e da frustração da população «com as oportunidades perdidas», avaliou o deputado federal pelo PSB e secretário da CSL, Alessandro Molon.
Nesse sentido, os partidos devem fazer, em conjunto, uma profunda análise sobre o motivos que levaram à ascenção de pessoas como Jair Bolsonaro ao poder, no Brasil, e pensar em soluções para combater o retrocesso democrático na região.
Felizmente, José Antonio Kast, admirador do ditador Augusto Pinochet e filho de um militante do Partido Nazista não venceu as eleições presidenciais no Chile, mas por pouco. No Perú, Keijo Fujimori, que se apresentava como candidata anti-sistema, embora eleita por várias vezes ao parlamento peruano, foi para o segundo turno das eleições em uma disputa acirrada com José Castillo, do partido de esquerda Perú Livre.
«Os partidos políticos de esquerda têm muitos desafios frente à realidade política latinoamericana. A crise sanitária afetou o nosso continente, além da crise sócio-econômica, fruto de caminhos históricos que nosso países tomaram equivocadamente, das más escolhas das nossas elites e também fruto da nossa exploração de nossos países por interesses internacionais», analisou Molon.
A deputada federal e presidente do Partido Socialista argentino, Mônica Fein, lembrou ainda da derrota da Frente Ampla no Uruguay, do golpe que interrompeu o processo democrático na Bolívia em 2019 e da continuidade de governos reacionários no Paraguay. Para a deputada, esses e outros acontecimentos «falam de um tempo e um marco conservador» no continente.
«Os problemas são quase os mesmos em quase todos os países da América Latina. Uma direita que ganha espaço muito importante no continente. Diante desse fato, nós dos partidos socialistas latinoamericanos, a esquerda latinoamericana, têm de unir-se e ter posições comuns para combater esse retrocesso pelo qual estamos caminhando cada vez mais, e às vezes sem nos darmos conta», defendeu a assessora de Relações Internacionais do PSB, Yara Gouvêa.
Acordo multilateral e união latinoamericana
Durante o encontro, as lideranças socialistas falaram sobre um acordo firmado recentemente entre a FJM e o Cemupro para a construção e difusão de políticas públicas conjuntas, adaptadas às normas e leis de cada respectivo país, além do desenvolvimento de projetos que melhorem a formação de seus respectivos filiados e demais interessados na construção de políticas igualitárias, de combate às fake news e à descontrução da democracia.
«O acordo de cooperação e intercâmbio entre a Fundação João Mangabeira e o Centro de Estudos Municipais e Provinciais (Cemupro) é o instrumento para reunir ideias, divulgar nossas ações, conjuntas ou individuais, propor políticas públicas que sirvam tanto para o Brasil como para a Argentina, realizar cursos e visitas, capacitar material e ideologicamente nossos militantes e simpatizantes, assim como populares interessados no debate, resultando, ainda, na produção de propostas de estudos a serem divulgados tanto em meios físicos como virtuais de nossas entidades», explicou o vice-presidente da FJM, Alexandre Navarro.
O acordo foi o primeiro passo do que pode vir a ser formação de um bloco semelhante à União Europeia, mais consistente que o Mercosul, que reúna países latinoamericanos em busca de saídas políticas e econômicas frente aos grandes desafios da região. O Instituto Igualdad, do Partido Socialista do Chile também passou a integrar a parceria.
«Me parece muito importante a esquerda democrática latinoamericana ter vínculos, laços e reflexões dos novos tempos e que estejamos vivendo e trocando experiências concretas de governo, de trabalho, de formação política e social», defendeu durante o encontro a deputada federal e presidente do PS da Argentina, Mônica Fein.
A ideia de união dos países latinoamericanos em um bloco econômico nos moldes da União Européia é uma das propostas da área internacional na autorreforma do PSB, sob coordenação da assessora de Relações Internacionais do partido, Yara Gouvêa. «Temos que sair da situação que nos encontramos. O Brasil, a Argentina, o Chile, o Paraguai e outros países vivem problemas econômicos muito graves e semelhantes. Não podemos sair sozinhos dessa situação», afirmou Yara Gouvêa.
Além disso, segundo Navarro, é igualmente fundamental que os partidos socialistas apoiem e estimulem o avanço no Acordo do Mercosul com a União Europeia para a preservação da estrutura produtiva, comercial e de serviços do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, «sendo central a ideia de sustentabilidade, nas suas três esferas, humana, ambiental e econômica», defendeu.
«Já temos um convênio firmado com a Fundação Instituto Igualdad do Chile e estamos em contato com a Líber Seregni, da Frente Ampla Uruguaia, a Res Pública, de Portugal, Pablo Iglesias, da Espanha e Olof Palm, da Suécia», relatou.
Por um novo pacto verde latinoamericano
Na opinião de Navarro, para fazer frente à lamentável situação de constantes ataques à democracia e aos direitos individuais, a esquerda deverá buscar reverter o quadro começando pela recuperação da economia, do emprego e dos investimentos públicos e privados.
Nesse sentido, o deputado federal e secretário da CSL Alessandro Molon propôs que os partidos socialistas da América Latina construam, juntos, um novo modelo econômico para a região, tendo como pilar a sustentabilidade, «para retirar as nações-irmãs do subdesenvolvimento que tornou o continente no mais desigual do planeta», disse.
A proposta de um “new green deal” (novo acordo verde) brasileiro está em discussão no processo de autorreforma do PSB. O modelo de economia de baixo carbono para o Brasil reúne ações para tornar mais limpa a matriz energética, zerar o déficit habitacional, universalizar o acesso a água tratada e serviço de esgoto e reflorestar áreas degradadas. Também tem como meta gerar R$ 1,3 trilhão em receita e 9,5 milhões de empregos até 2030, financiando os investimentos – superiores a R$ 500 bilhões – com o aumento do imposto sobre heranças, a taxação das emissões de carbono e a retirada de subsídios das indústrias de agrotóxicos (R$ 16 bilhões por ano).
«Fizemos as contas de quanto isso custaria ao Brasil, estabelecemos as metas. Esse tema do desenvolvimento sustentável precisa ser nosso, dos socialistas que têm no centro de suas preocupações a proteção das pessoas e de toda forma de vida para um futuro melhor para o planeta», avaliou Molon.
«Esquerda profundamente democrática»
Para Mônica Fein, além do desafio de enfrentar o déficit de emprego, a baixa qualidade educacional frente às novas tecnologias e a degradação ambiental, os partidos socialistas deve refletir sobre como frear o discurso da direita populista, que prega a destruição de direitos e dos processos de participação democrática. «Estamos com um problema na nossa democracia e temos que refletir seguramente sobre isso nesse convênio entre Cemupro e Fundaçaõ João Mangabeira. Sabemos que o sistema democrático tem muitas falências, mas a democracia se fortalece com mais democracia, com a garantia de direitos», disse a deputada federal argentina.
Na avaliação de Fein, toda a esquerda democrática no continente deve unir-se aos movimentos sociais que lutam em diferentes frentes para enfrentar esses desafios. «Uma esquerda democrática que ensina as liberdades e que lute também contra a desigualdade, contra a violência. Uma esquerda mais feminista e participativa. Estamos convencidos de que a participação popular é transformadora dos processos de mudança», defendeu.
Fein também chamou atenção para a manutenção da essência da esquerda democrática, que em sua opinião, jamais deve compactuar com sistemas autoritários. «Não podemos ser uma esquerda que de alguma maneira suspenda os direitos eleitorais e as liberdades individuais. Creio que nós não temos nada a ver com as esquerdas que amaina eleições e encarcera opositores para perpetuar-se no poder. Somos uma esquerda profundamente democrática que deve discutir como aperfeiçoar essa democracia», disse.
Assessoria de Comunicação do PSB nacional