A crise ética por que passa o Brasil gera esperança ou desencanto no futuro da política?
ArtigosTadeu Alencar
Partido Socialista Brasileiro
Deputado federal e vice-líder do PSB na Câmara dos Deputados
*Artigo originalmente publicado em 14/08/2016 no jornal Diário de Pernambuco
Faz dois anos que o Brasil vive uma sucessão de escândalos que foram sendo revelados, afirmando a força das suas instituições: a Polícia Federal, o Ministério Público, a Controladoria-Geral da União, a Advocacia Geral da União, a Receita Federal, e, em especial, o Poder Judiciário. O funcionamento livre destas – dissociado de injunções políticas – é um clamor republicano e garantia da maturidade da nossa Democracia. Um sinal de que o império das leis vigora para todos, para qualquer do povo e para os poderosos.
Essa é a grande novidade haurida nos ventos que ora sopram sobre o País, acostumado a uma cínica complacência coletiva, em ver as prisões abarrotadas de pobres, pretos, pardos e párias de todo gênero, enquanto parcela da elite, com o seu salvo-conduto perpétuo, debocha da isonomia constitucional. Com o sino dos novos tempos dobrando em homenagem ao País que renascerá das cinzas após a grande fogueira, tal parcela já não se sente tão criminosamente segura. Desta forma, por força de uma vitalidade inusitada das instituições, alimentada pela vigilância social que explodiu sem peias em junho de 2013, pela imprensa livre de pecaminosas conveniências, as investigações – numa benfazeja atuação integrada – têm conduzido ao fim a que se destinam: à condenação rigorosa dos responsáveis, com a consequente devolução do dinheiro público desviado.
Além dessa atuação integrada no plano interno, vê-se uma competente cooperação internacional, objeto de tratados de que é o Brasil signatário. Passa-se, assim, a ter uma noção, em tempo real, divulgada para milhões de pessoas, de que ninguém está imune ao alcance da lei, tal como tantas vezes se viu, na tradição brasileira, quando os cortesãos obstruíam investigações ou a conclusão de processos penais, relegados a suspeitoso ritmo, incompatível com a duração razoável do processo, ou com o proto-princípio da moralidade pública, preconizados na Carta Política. “Mutatis mutandis ”, acabou a carteirada. É princípio democrático basilar a igualdade de todos perante a lei, ainda mais de quem exerce pública função, que há de ser exemplar na observância das leis e no seu fiel cumprimento.
Os escândalos de corrupção e os desvios de dinheiro público não foram poucos, nem pontuais, mostrando-se, como no caso da Petrobrás, sistêmicos e endêmicos. Eduardo Cunha é só um dos que macularam de forma solerte a confiança popular e o dever de probidade. As denúncias atingem centenas de políticos, a maioria dos partidos, boa parte do alto empresariado brasileiro e milhares de pessoas envolvidas com a corrupção mais despudorada, a tunga como regra, como jamais se pensou existir, movimentando somas astronômicas, essenciais às políticas públicas. Não é excessivo relembrar, sempre amparado na Constituição da República, no princípio da presuntiva inocência, que parte das investigações não resistirá à inocência de alguns, injustamente lançados às labaredas cruéis das condenações antecipadas.
Não obstante, corrigir os eventuais excessos não deve oferecer guarida aos que querem, por motivações inconfessáveis, deter essa marcha sem volta. Assim, poder-se-ia cogitar de que, com tamanha iniquidade revelada às escâncaras, jogando luz sobre um sistema político em decomposição, se há futuro ou esperança na política. Ora, ora, claro que há esperança no futuro da política. Afinal, foi ela que legou ao País a construção de instituições livres, o Ministério Público e o Poder Judiciário independentes, o agente público investido por concurso, fiel mandatário dos princípios constitucionais e só a eles submetido, a transparência como um potente desinfetante. Tenho a mais profunda convicção de que, embora a gravidade e a dimensão da crise ética possam nos inclinar ao desencanto, tenho o coração cheio de esperança de que vamos sair dessa crise maiores e melhores e de que a boa, a nova política, quando o vendaval passar, vicejará como uma semente de um Brasil, também novo, que dorme nos sonhos de todos nós.