Mais espaço para os profissionais LGBT
ArtigosLuiz de França
Jornalista
Artigo originalmente publicado no jornal Valor Econômico no dia 5 de janeiro de 2017
A discussão sobre direitos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) tem encontrado menos resistência dentro das empresas, que estão promovendo ações de conscientização entre os funcionários e processos de seleção voltados para públicos que sofrem discriminação, como pessoas trans. Por enquanto, 35 companhias se comprometeram publicamente a combater o preconceito, estimular a diversidade e garantir oportunidades iguais de carreira aos seus profissionais e candidatos, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero.
Elas fazem parte do Fórum das Empresas e Direitos LGBT, criado em 2013 por iniciativa do consultor Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação, que atua nas áreas de sustentabilidade e responsabilidade social. Apesar do baixo número de integrantes, Bulgarelli sente que o mundo corporativo tem mudado o olhar com relação à diversidade. «Vejo isso pelas quase 300 empresas que têm ido aos eventos do fórum», diz.
Mesmo testemunhando esse interesse, ele reconhece que ainda existe uma clara resistência por parte das companhias brasileiras em relação à diversidade e aos direitos LGBT. Um exemplo é a representatividade no próprio fórum, no qual a grande maioria das signatárias é multinacional de matriz americana ou europeia, regiões com um histórico de avanços nessa área muito mais antigo que o Brasil. «A resistência está muito relacionada à ideologia da discriminação, que não é só homofóbica, mas também machista, misógina, transfóbica e contra as pessoas com deficiência física e, infelizmente, faz parte da nossa cultura», diz.
Para o consultor Ricardo Sales, sócio-diretor na Mais Diversidade, que se propõe a ajudar as empresas na construção de uma comunicação mais inclusiva, o problema está na negação da existência do preconceito. «Somos um país que gosta de ter o mito da diversidade, que gosta de se imaginar como igualitário, onde todas as diferenças têm espaço, quando na verdade não têm», afirma. O que ele sugere como solução é assumir a existência dos preconceitos e combatê-los com informação e treinamento.
Até agora, 35 empresas se comprometeram a garantir oportunidades iguais de carreira a todos os funcionários
A adoção de políticas antidiscriminatórias, no entanto, não se resume à implementação de cotas. É algo que precisa fazer parte da estratégia corporativa, como lembra Salomão Cunha Lima, fundador do Games, um grupo formado há cerca de um ano para conectar profissionais LGBT e simpatizantes e estimular a troca de informações e experiências sobre as melhores práticas de combate ao preconceito nas empresas. «O que as organizações têm de saber é que a gente permanece na empresa porque está motivado, porque se sente bem em estar em um lugar onde não precisa fingir ser outra pessoa. Quando isso não acontece, o engajamento fica comprometido e há um desestímulo dos processos criativo e produtivo.»
Foi pensando também na sua estratégia de negócio que o Carrefour estabeleceu um programa de qualificação para transgêneros e estimulou a participação de pessoas trans nos processos de seleção da companhia. «Somos uma empresa com 78 mil funcionários e cerca de 20 milhões de pessoas passam pelas nossas lojas. Elas representam vários perfis e era preciso criar uma identificação com todos esses públicos, tanto o externo quanto o interno», diz Paulo Pianez, diretor de responsabilidade social do Carrefour.
Há um ano, Marcelle Miguel passou pelo primeiro processo de seleção da rede de hipermercados que estimulou a participação de profissionais trans. Ela é mulher transgênero, e com base nas experiências que vivenciou até então, sempre se questionou se seria aceita por uma empresa e respeitada no local de trabalho. «Agora eu posso dizer que é possível ter respeito, amor e reconhecimento», diz ela, frente de caixa de uma das lojas do Carrefour.
Na opinião de Tania Cosentino, presidente da Schneider Electric para a América Latina, companhia que entrou recentemente para o Fórum das Empresas e Direitos LGBT, uma organização diversa e inclusiva gera um ambiente mais inovador e com maior engajamento dos funcionários, fatores importantes para atração e retenção de talentos e que contribuem para o desenvolvimento sustentável de qualquer negócio. «As empresas precisam fazer sua parte, oferecendo um ambiente justo e igualitário para todos os seus colaboradores», afirma.
Também signatária do Fórum, a Dow, antes de incentivar ativamente a candidatura de pessoas trans no seu programa Jovem Aprendiz, fez um trabalho de comunicação sobre o universo transgênero com seus funcionários de nível operacional e gerentes durante aproximadamente um ano. «Foram transmitidas mensagens ligadas à identidade de gênero, uso de nome social e banheiros por pessoas trans, divulgadas nas redes sociais da empresa, nas TVs internas e até em folhetos nas bandejas dos restaurantes», diz João Torres, líder do Glaad, a rede de funcionários LGBT da Dow. Segundo Torres, a companhia entende que um time diverso gera um ambiente que agrega diferentes maneiras de pensar e amplifica as possibilidades para a criatividade e a inovação.
Ainda é cedo para falar dos resultados do projeto, mas todos os jovens aprendizes integrantes do programa terão a possibilidade de serem contratados pela companhia caso existam vagas abertas. «A ideia é pensar no programa como um fim em si mesmo, pois somente os jovens que desenvolverem e adquirirem habilidades ligadas ao trabalho corporativo terão a oportunidade de contratação», diz o líder do Glaad.
Assim como a área de recursos humanos da Dow contou com o apoio do grupo de diversidade interno para essa tarefa, outros grupos de afinidades LGBT estão fazendo o mesmo com os departamentos de RH de outras empresas. É o caso da Ambev, uma das poucas companhias nacionais no Fórum. «Capacitamos os gestores da empresa para que eles tenham mais conhecimento das particularidades do público LGBT e falamos também sobre a inserção no ambiente de trabalho, além de divulgar os direitos que a companhia já concedia, mas que muita gente desconhecia», diz Bruno Rigonatti, integrante do Larger, grupo de diversidade da Ambev criado há pouco mais de um ano.
Na SAP, quem tem liderado os treinamentos e palestras para diminuir a resistência natural das pessoas é o Pride@SAP. «As pessoas acham que sabem o que é diversidade, mas elas não sabem de fato. Estamos trabalhando para que todos, mas principalmente a média gerência, tenham a ideia exata», diz Niarchos Pombo, líder para diversidade da SAP na América Latina. Ele, que foi o fundador do grupo e antes doava parte do seu tempo à causa, hoje dedica-se integralmente à promoção da diversidade na companhia.
Além de contarem com pessoas dedicadas exclusivamente ao tema, grupos internos que pensam a diversidade ganharam tanta relevância dentro de algumas empresas que já têm até orçamento próprio para planejar e executar ações. É o que acontece com o Diversitas, na seguradora AIG, que já realizou diversas ações, como alguns debates com alunos do ensino médio de escolas públicas sobre respeito e diversidade no mercado de trabalho. «A gente não quer atingir apenas o público interno, mas o externo também, incluindo outras empresas fornecedoras e parceiras da AIG», diz Vinicius Mercado, líder do Diversitas.
De acordo com a headhunter Laís Passarelli, sócia-diretora da Passarelli Executive Search, os processos de contratação de executivos também estão atentos à questão da diversidade. Ela atribui esse olhar à mudança de comportamento trazida por jovens executivos, que colocam como condição de trabalho a existência de políticas internas que garantam direitos iguais para héteros e homossexuais. «Está mais do que legitimado que a diversidade traz resultados positivos e os jovens talentos querem estar em empresas abertas e sem preconceitos», diz Laís.
Mesmo pertencendo a uma geração mais sênior, Sérgio Giacomo, diretor de comunicação e assuntos institucionais da GE para a América Latina, sempre enxergou as práticas de diversidade e inclusão como algo importante e natural para a permanência dele em uma empresa. Saber, já na entrevista de emprego, há quase três anos, que a GE tinha um grupo global de aliados e funcionários LGBT desde 2005, e no Brasil desde 2013, e que seus direitos estavam garantidos, foi o que fez o profissional querer estar ali.
«Na entrevista de emprego quis saber se os meus benefícios seriam estendidos ao meu parceiro. Não faria sentido trabalhar em um lugar que não me aceitasse pelo que eu sou por completo ou que me desse a sensação de ser rejeitado por não pertencer à uma norma», diz o executivo. «Eu acredito que a autenticidade das pessoas é extremamente enriquecedora para o trabalho com a equipe e para o negócio. Quando se pode colocar energia nas coisas certas, o trabalho flui muito melhor para todos.»