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América Latina é terreno fértil para manipulação de fake news, diz pesquisa

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Um relatório de mais de 200 páginas recém-produzido pelo Ministério das Forças Armadas da França detalha como países latino-americanos são um campo aberto para a manipulação das informações a partir de uma convergência de fatores econômicos e sociais. O documento inédito cita as eleições brasileiras como exemplo de ataques de mercenários contratados por partidos para atingir a democracia, a partir de fake news. O país, assim como outros da região, incluindo México e Colômbia, torna-se vulnerável, segundo o estudo, pelo uso maciço de redes sociais, incluindo Facebook e WhatsApp — “que permitem que comunidades circulem viralmente informações não verificadas entre conhecidos e pessoas de confiança —, pelo uso intensivo de robôs, pela crise econômica e pela forte polarização política, “resultando no aparecimento em apoios de candidatos populistas e de extrema direita”.

Concluído no último mês de agosto, o documento é intitulado Manipulação da informação: um desafio para as nossas democracias e foi produzido pela Equipe de Planejamento de Políticas do Ministério para Europa e Relações Exteriores e pelo Instituto de Pesquisa Estratégica das Forças Armadas, dois órgãos vinculados ao governo francês. O relatório analisa e propõe respostas para eventos ocorridos desde 2014 na Ucrânia, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos. “Esses episódios mostraram que mesmo os maiores países ocidentais não estão imunes aos ataques contra a democracia”, diz um trecho do documento, conseguido com exclusividade pelo Correio. No caso dos países latino-americanos, o contexto socioeconômico desfavorável reflete no descontentamento e na insegurança — para piorar, há um quadro normativo menos exigente do que na Europa e nos Estados Unidos em termos de direito à privacidade e ao marketing político.

Os estudos para a produção do relatório começaram ainda em setembro de 2017, a partir de um grupo interministerial francês, na tentativa de criar uma força-tarefa para combater a manipulação das informações nas redes. A partir daí foram estudadas causas e consequências das fake news, com o cruzamento de trabalhos acadêmicos de relações internacionais, guerra, inteligência, comunicação, sociologia e psicologia social. No Brasil, entretanto, as autoridades, principalmente as vinculadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pareceram ignorar completamente o risco da manipulação das informações para a democracia. Apesar da criação do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições pela Corte, também em 2017, e de terem tempo para se preparar, os ministros reagiram tardiamente, depois que o território foi ocupado pelas fake news e pelo uso de robôs.

Investigação

Nas últimas 48 horas, partidos adversários ao presidenciável Jair Bolsonaro pediram ao TSE abertura de investigação eleitoral sobre o suposto envolvimento de empresários na contratação de agências para potencializar a campanha do deputado federal nas redes sociais. Apenas na noite da última sexta-feira o tribunal abriu investigação sobre a compra de mensagens em massa contra o Partido dos Trabalhadores, mesmo assim, sem pedir a quebra de sigilo das empresas citadas. Reportagem da Folha de S. Paulo afirma que contratos no valor de R$ 12 milhões foram firmados com agências especializadas em redes sociais. Na edição de quarta-feira, o Correio apresentou propaganda realizada por empresas que oferecem envio de mensagens para candidatos. A ação não é permitida pela legislação, com o objetivo de evitar o abuso de poder econômico. As empresas oferecem disparos a partir de base de dados própria, o que também é proibido pelo TSE. Os bancos com cadastros de eleitores só podem ser criados pelos próprios partidos, candidatos e coligações. O WhatsApp, por sua vez, anunciou o banimento de contas com movimentações atípicas ou suspeita.

Robôs em série

Levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV) mostra que, desde o início deste mês, foram contados 45 milhões de tuítes sobre Bolsonaro e Haddad (PT). “Nesse cenário, a atuação de robôs em ambos os lados, que havia caído desde o fim de setembro, voltou a aumentar”, aponta o trecho do relatório da fundação. Entre os dias 10 e 16, foram registradas 852 mil publicações de robôs. A base de apoio ao candidato do PSL respondeu por 602 mil, enquanto o grupo do petista usou 240 mil.

«As plataformas de mídia social têm responsabilidade. Elas devem implementar regulamentos para proibir a disseminação de informações pelas agências de comunicação que não têm o direito de fazê-lo”,
disse, ao Estado de Minas, Dominique Cardon, professor-associado da Universidade de Paris

Cardon estará em Brasília em 31 de outubro para participar de um seminário sobre fake news promovido pelo Conselho Federal de Administração e pela Embaixada da França. O documento Manipulação da Informação: um desafio para as nossas democracias será lançado durante o evento. Para produzir o relatório, os autores ligados ao governo francês visitaram 20 países, entre eles a Áustria, a Bélgica, o Canadá, o Japão, a Letônia, a Rússia e Singapura, além daqueles que foram vítimas de ataques coordenados de fake news, como os EUA, a Alemanha e a Inglaterra. Ao todo, foram feitas 100 entrevistas com autoridades, agentes de inteligência, parlamentares, acadêmicos e jornalistas para tentar avaliar as ameaças existentes.
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Entre as soluções apresentadas no documento, estão a regulação com base em episódios ocorridos em outros países, canais de denúncia governamentais e antecipação de autoridades policiais contra a ação de grupos de ataques coordenados.

No Brasil, por exemplo, segundo especialistas em marketing eleitoral na internet, existem apenas 50 empresas capazes de produzir disparos em massa, o que poderia facilitar as investigações. O trabalho de educação da população para isolar as notícias falsas a partir de informações de fontes jornalísticas é visto como a forma mais eficiente para o combate.

«Não creio que a livre circulação de mensagens do WhatsApp necessariamente signifique que notícias falsas não possam ser eliminadas. O importante é a variedade de diferentes fontes de notícias que as pessoas consomem e a confiança que elas têm nessas diferentes fontes de notícias”, afirma Patrick Le Bihan, PhD em ciência política na Universidade de Nova York.

“Se as pessoas receberem notícias falsas por meio de mensagens do WhatsApp, mas também receberem informações da mídia em que confiam que essas mensagens são falsas notícias, o efeito da mensagem de notícias falsas pode, na verdade, ser prejudicial à campanha que ela tenta apoiar”, disse Le Bihan, que também estará em Brasília no final do mês.

Leonardo Cavalcanti
Correio Braziliense

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