Entrevista: Yara Gouvêa fala sobre trajetória política e luta do feminismo na América Latina
MujeresNa série especial #ElasQueLutam, em comemoração ao Dia Internacional das Mulheres, celebrado no dia 8 de março, o Socialismo Criativo entrevistou mulheres que, junto com o Partido Socialista Brasileiro (PSB), ajudam a criar um país melhor e mais igualitário.
Militante do PSB desde 1990, quando filiou-se ao partido ao lado de figuras como Miguel Arraes, Yara Gouvêa segue trabalhando com afinco para transformar a sociedade. Após mais de 30 anos de atuação política na legenda, se dedica atualmente à Assessoria de Relações Internacionais da Executiva Nacional do partido e à Secretaria Especial da Executiva Provisória do PSB-DF, além de ser membro do Conselho Curador da Fundação João Mangabeira (FJM).
Colaboradora ativa da Autorreforma que vem sendo estruturada pela sigla e debatida nos últimos dois anos, ela possui diversas pós graduações na Universidade Sorbonne Nouvelle Paris II, na França, e é formada em linguística com especialização em sócio-linguística.
“Professora Yara”, como é respeitosamente conhecida pelos companheiros de partido, saiu do Brasil e se exilou na Europa durante o governo militar. Obrigada a deixar o velho continente, recebeu asilo político na Argélia, onde se juntou a Miguel Arraes. Com o político, se aproximou da diplomacia internacional e teve a oportunidade de participar das principais ações da esquerda democrática brasileira da época.
“Criamos um grupo de latino-americanas para discutir o feminismo […] o trabalho foi feito em conjunto com os grandes nomes do feminismo internacional, o que nos possibilitou a honra de participar de muitas atividades e eventos importantes. Cito, sobretudo, a participação de Simone de Beauvoir.”
Em entrevista ao Socialismo Criativo, no especial em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres, o #ElasQueLutam, além de analisar pontos da Autorreforma, Yara relembra um pouco dos primeiros passos na luta político-partidária e comenta a atual situação do país no cenário político internacional.
Socialismo Criativo – Como começou a sua jornada na política?
Yara Gouvêa – A minha jornada na política foi iniciada através de atividades no Movimento Secundarista e outras atividades em políticas sociais de assistencialismo. Portanto, comecei muito jovem. Na época estávamos em plena ditadura. Já na universidade aderi a Ação Popular – AP. Como se sabe, os partidos iam sendo extintos e a atuação política daqueles que não de alinhavam nem à Arena, nem ao MDB , se fazia através de movimentos, tais quais a AP, oriunda do trabalho da Juventude Católica Secundarista e Universitária, assim como dos padres obreros, sacerdotes que se engajavam na vida ativa. Além da AP, estive muito próxima da Aliança Libertadora Nacional (ALN) e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Socialismo Criativo – Esse foi um momento de muita tensão social e retirada de direitos básicos, como o direito à livre manifestação. Sua família era contra você participar desses movimentos?
Yara Gouvêa – Evidentemente, quando minha família tomou conhecimento de minhas participações em passeatas políticas e outras ações, ficaram todos muito preocupados e, com razão, com o que poderia ocorrer. Sofri todo tipo de pressão para que abandonasse as atividades políticas, mas minhas opções estavam feitas.
Socialismo Criativo – A senhora é ex-presa política e viveu os horrores das prisões desse período, assim como outras tantas mulheres. Nessa época vocês falavam sobre essas experiências, existia essa organização?
Yara Gouvêa – Tampouco durante a ditadura se discutia o papel das mulheres na vida política/ social. Foi quando, com Danda Prado, me aproximei dos movimentos de liberação de mulheres francesas e criamos um grupo de latino-americanas para discutir o feminismo. Tivemos, inclusive, um boletim mensal denominado “Nosotras“. Nosso trabalho, feito em conjunto com os grandes nomes do feminismo internacional, nos possibilitou a honra de participar de muitas atividades e eventos importantes. Cito, sobretudo, a participação da [escritora e filósofa] Simone de Beauvoir.
Socialismo Criativo – A senhora passou uma parte importante de sua vida fora do Brasil e hoje é secretária de Relações Internacionais do PSB. Qual o principal objetivo desse trabalho e de que forma usa a vivência em outros lugares para exercê-lo?
Yara Gouvêa – Estabelecer relações internacionais sólidas, baseadas no respeito mútuo e na soberania das nações é muito importante para qualquer partido político. O mundo é feito de relações internacionais, sejam elas políticas, econômicas ou de blocos. Os anos de exílio, os estudos e trabalhos em universidades estrangeiras, e os contatos estabelecidos desde aquela época me capacitam a exercer as funções.
Socialismo Criativo – A senhora participa da Coordenação Socialista Latino-americana (CSL), que é uma organização que une socialistas de vários países. Qual a importância desta construção para os partidos socialistas?
Yara Gouvêa – A Coordenação Socialista Latino-Americana, que o PSB dirige há mais de uma década é uma ferramenta importantíssima para a aproximação dos partidos socialistas e demais partidos afins no âmbito de toda América Latina.
Chamo a atenção para o Núcleo de Mulheres , Gênero e Igualdade, dentro da CSL, que vem desenvolvendo um trabalho primoroso junto às mulheres latino-americanas. Devemos trabalhar para buscar melhorar cada vez mais nossos recursos para fazer da CSL o porta voz do socialismo nosso, do socialismo com todos os matizes latino-americanos, do socialismo que respeite todos nossos povos, do socialismo que sabe que de nossa união virá a nossa força.
Socialismo Criativo – Nas reflexões sobre a política internacional brasileira praticada pelo presidente Jair Bolsonaro fala-se muito sobre o enfraquecimento da participação do Brasil em blocos econômicos importantes como o Brics – formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – e o Mercosul. Acredita que a retomada será difícil?
Yara Gouvêa – Na situação em que se encontra hoje o Brasil, sobretudo nas áreas de Relações Internacionais, não há sombra de dúvidas das dificuldades que encontraremos para assegurar novamente nossa presença junto aos órgãos das esferas internacionais. No pós-bolsonarismo, o Brasil terá de reformular toda sua política de relações internacionais, que não se formula através de uma ideologia fascista, desqualificada.
Socialismo Criativo – Na sua Autorreforma, o PSB cita um “alinhamento automático” dos governos Michael Temer e Jair Bolsonaro com os EUA, nação com postura oposta a do Brasil no que trata de respeito à soberania das nações, repudio ao terrorismo e defesa da paz. Na sua opinião, a que se deve essa parceria tão próxima e quais o prejuízos que ela nos trouxe e nos trará no futuro?
Yara Gouvêa – Hoje temos acesso a dados que podem comprovar que os articuladores pela tomada do poder já agiram na época de Temer. A presença militar no Governo brasileiro começa desde então. E a visão tacanha dos atuais militares não poderia nos levar a outros resultados do que estamos vivendo. Nas Relações Internacionais podemos, inclusive no âmbito da América Latina, aguardar por momentos difíceis de desrespeito à soberania das nações.
Socialismo Criativo – Num possível governo PSB no âmbito nacional, quais medidas de política internacional acredita que devam ser priorizadas e por que?
Yara Gouvêa – Num eventual ou possível governo do PSB, deveríamos sobretudo lutar pelo respeito das soberanias das nações e estabelecer a todos os níveis relações de excelência em todos os domínios. Temos muito a aprender!!!
SOCIALISMO CRIATIVO