Pela primeira vez na história, o Brasil atingiu a taxa de 30 assassinatos para cada 100 mil habitantes, em 2016, segundo o Atlas da Violência 2018, com base em dados do Ministério da Saúde. Com 62.517 homicídios, a taxa chegou a 30,3, que corresponde a 30 vezes a da Europa. Antes de 2016, a maior taxa havia sido registrada em 2014, com 29,8 por 100 mil habitantes.
Segundo o estudo, elaborado pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, nos últimos dez anos, 553 mil pessoas perderam a vida vítimas de violência no Brasil. Em 2016, 71,1% dos homicídios foram praticados com armas de fogo.
“O Brasil está entre as nações com as maiores taxas de homicídio do mundo. Se você olhar os dados mais recentes, vai ver que as tendências mundiais não mudam muito. A gente compete em geral, na América do Sul, com a Colômbia, mas que vêm de um círculo virtuoso porque tem experiências bem sucedidas de redução de homicídios, como o que vem acontecendo em Bogotá. E a gente só perde para Honduras e El Salvador, que são países com taxas de homicídios maiores”, diz Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A Organização Mundial da Saúde possui dados confiáveis apenas de parte dos países do mundo. A maioria dos países africanos, por exemplo, fica de fora dessa lista de dados de alta qualidade, o que dificulta comparações mais amplas. Ainda assim, com os números disponíveis, é possível ver que as taxas de mortes violentas são muito mais altas nas Américas do que no restante do mundo. A Europa e a Oceania tem os números mais baixos, sem alterações entre 2000 e 2013.
Considerando os dados de alta qualidade, a OMS traçou curvas para ver a evolução das mortes nos continentes e verificou os países mais violentos em 2012. Dos 14 destacados, 13 pertencem à América – e o Brasil é um deles.
Estados
Apesar de a taxa de 30 já ser muito alta, há uma discrepância entre as unidades da federação, onde em Sergipe, a taxa chega a 64,7, Alagoas, 54,2 e Rio Grande do Norte, 53,4. Já São Paulo tem taxa de 10,9, Santa Catarina, 14,2, e Piauí, com 21,8.
Nos últimos dez anos, a taxa que mais cresceu foi no Rio Grande do Norte (alta de 256,9%) e a que a mais caiu foi no estado de São Paulo (queda de 46,10%). A variação é grande entre os estados. Apenas sete unidades da federação conseguiram reduzir o índice: São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Pernambuco, Paraná e Distrito Federal. Outros quatro estados tiveram altas acima de 100%: Tocantins, Maranhão, Sergipe e Rio Grande do Norte.
A taxa de homicídios de jovens por 100 mil habitantes é ainda pior: 65,5, com 33.590 jovens assassinados em 2016, aumento de 7,4% em relação a 2015.
Jovens
Se levarmos em conta apenas homens jovens de 15 a 29 anos, a taxa vai a 280,6. De acordo com o Atlas, os homicídios respondem por 56,5% da causa de óbito de homens entre 15 a 19 anos. Em dez anos, de 2006 a 2016, 324.967 jovens foram assassinados no Brasil.
Para Samira, tanto o Atlas, como o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em outubro de 2017, com dados sobre 2016, mas baseado em números das polícias, mostram que o perfil da vítima mantém uma tendência: 7 em cada dez vítimas são negras, a maioria jovens e do sexo masculino.
“O aumento dos homicídios é expressivo, se você for olhar 2015 e 2016, a gente salta de 59 mil para 62 mil, tem um crescimento de 5,8. Se comparar com os registros policiais, o próprio anuário já indicava esse aumento, mas em 2016 o sistema de saúde mostra até mais mortes do que o próprio registro policial indicava”, diz Samira.
Raça e gênero
A taxa de homicídios de negros equivale a 2,5 vezes a de não negros. Em 2016, a taxa de homicídios de negros foi de 40,2 enquanto a de não negros não passou de 16. É possível dizer que 71,5% das pessoas assassinadas a cada ano no país são pretas ou pardas.
De 2006 a 2016, enquanto a taxa de homicídio de negros cresceu 23,1%, a taxa entre não negros teve redução de 6,8%.
O mesmo acontece entre mulheres negras, quando em 10 anos a taxa de homicídio aumentou 15,4% entre elas, e queda de 8% entre as mulheres não negras.
Para Samira, um dos principais pontos do estudo é que ele mostra dados que reforçam a desigualdade na sociedade brasileira.
“Cada vez mais uma diferença brutal entre as vítimas. Homicídios de não negros reduzem ao passo que o passo de homicídios entre os negros está crescendo. Mulheres negras têm incremento, passo que mulheres não negras têm redução”, diz.
“Eu diria que o aumento da violência letal tem se traduzido principalmente em um reforço dessa desigualdade, que faz parte de um racismo estrutural, cuja face mais perversa é a violência letal, ou seja, uma vulnerabilidade muito maior de negros do que de não negros aos assassinatos de forma geral”, completa.
Estupros e armas
Segundo o estudo, 68% dos registros no sistema de saúde se referem a estupros de menores de idade e quase um terço dos agressores das crianças (até 13 anos) são amigos e conhecidos da vítima e outros 30% são familiares mais próximos, como pais, mães, padrastos e irmãos. Quando o algoz era conhecido da vítima, 54,9% dos casos tratam-se de estupros que já vinham acontecendo e 78,5% dos casos ocorreram na própria residência.
O Atlas mostra que entre 1980 e 2016 cerca de 910 mil pessoas foram mortas por perfuração de armas de fogo no país. “Uma verdadeira corrida armamentista que vinha acontecendo desde meados dos anos 1980 só foi interrompida em 2003, quando foi sancionado o Estatuto do Desarmamento”, diz o estudo.
Na década de 80, a proporção de homicídios girava em torno de 40% e o índice cresceu ininterruptamente até 2003, quando atingiu o patamar de 71,1%, ficando estável até 2016.
“Naturalmente, outros fatores têm que ser atacados para garantir um país com menos violência, porém, o controle da arma de fogo é central. Não é coincidência que os estados onde se observou maior crescimento da violência letal na última década são aqueles em que houve, concomitantemente, maior crescimento da vitimização por arma de fogo”, diz o estudo.