Pobreza e exclusão persistem na América Latina e no Caribe, aponta relatório
NoticiasMesmo após um quarto de século de avanços sociais, o progresso entre grupos desfavorecidos de países da região da América Latina e do Caribe permanece lento, alertou na quarta-feira (21) o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), por meio do Relatório de Desenvolvimento Humano 2016.
O documento “Desenvolvimento humano para todos” mostrou que, embora o desenvolvimento humano médio tenha melhorado significativamente em todas as regiões do mundo entre 1990 e 2015, uma em cada três pessoas continua a viver em níveis baixos de desenvolvimento humano, medidos pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
“O mundo percorreu um longo caminho para reverter a pobreza extrema, melhorar o acesso a educação, saúde e saneamento e para expandir as possibilidades para as mulheres e meninas”, disse a administradora do PNUD, Helen Clark, em discurso no lançamento do relatório, em Estocolmo. “Mas esses ganhos são uma introdução para o próximo, e possivelmente mais difícil, desafio de garantir que os benefícios do progresso global alcancem a todos”, completou.
De acordo com o relatório, a região da América Latina e do Caribe dispõe de alto IDH entre as regiões em desenvolvimento, ficando atrás apenas da Europa e da Ásia Central. No entanto, quando ajustado pela desigualdade, o IDH da região cai quase 25% devido à distribuição desigual dos ganhos de desenvolvimento humano, em particular a renda.
Compreendendo padrões de desvantagem em toda a região
O documento mostra também que certos grupos enfrentam desvantagens sistemáticas na região e, para alguns, as lacunas tenderão a aumentar ao longo do tempo, uma vez que os choques e as crises afetam mais esses grupos.
“Este relatório mostra como desvantagens multiplicam desvantagens em toda a região”, disse a diretora regional do PNUD para a América Latina e Caribe, Jessica Faieta.
“Precisamos analisar os números médios – inclusive aqueles que parecem indicar que estamos indo bem — para ver quem está sendo deixado para trás e por quê. E precisamos dar prioridade a esses grupos, alcançando-os e incorporando-os ao progresso geral para garantir o desenvolvimento humano para todos”, completou.
As mulheres, por exemplo, tendem a ser mais pobres na América Latina e no Caribe. O relatório aponta que as mulheres também têm sido tradicionalmente desfavorecidas porque elas assumem a maior parte dos trabalhos domésticos não remunerados, o que lhes deixa com menos tempo para seguir carreiras e ingressar no mercado de trabalho.
As mulheres ocupam somente 28% dos assentos do parlamento na região, e apenas 37% de todos os legisladores e altos funcionários são do sexo feminino.
O relatório também observa que muitos membros dos mais de 400 grupos indígenas na região enfrentam desvantagens sistêmicas que lhes dificultam acompanhar o desenvolvimento. Na Guatemala, segundo o relatório, as crianças não indígenas têm em média o dobro de anos de escolaridade das crianças indígenas.
Na Bolívia, no Equador, no Peru e no México, as crianças não indígenas beneficiam-se de dois a três anos e meio a mais de escolaridade do que as crianças indígenas. Em todo o planeta, os povos indígenas representam 5% da população mundial e também 15% dos pobres do mundo.
“O primeiro e essencial passo para prevenir conflitos e garantir o desenvolvimento pacífico é proteger, promover e garantir os direitos básicos de todos os povos”, afirmou a ativista dos direitos indígenas e ex-presidente do Fórum Permanente das Nações Unidas para as Questões Indígenas, Mirna Cunningham Kain, da etnia Miskitu, em sua contribuição especial para o relatório.
As pessoas que vivem em pequenos países insulares em desenvolvimento na região também enfrentam numerosos desafios, incluindo barreiras econômicas e extrema vulnerabilidade às mudanças globais do clima.
Os obstáculos são especialmente altos para os jovens em busca de trabalho: as taxas de desemprego dos jovens variam entre 18% e 47% entre os países do Caribe (com exceção de Trinidad e Tobago). Além disso, os postos de trabalho disponíveis para os jovens são muitas vezes em áreas de baixa qualificação.
Outros grupos desfavorecidos contemplados no relatório incluem moradores de áreas rurais, pessoas com necessidades especiais e a comunidade LGBTI.
Segurança permanece uma preocupação
A segurança continua a ser uma questão crítica para a América Latina e o Caribe, região em desenvolvimento mais urbanizada do mundo, com quase 80% da população vivendo em áreas urbanas.
A taxa de homicídios da região, em 21,6 por 100 mil pessoas, é 14 vezes maior que a taxa mais baixa da Ásia Oriental e do Pacífico. A região também tem taxa de encarceramento muito elevada — cerca de 244 por 100 mil pessoas — em comparação com 48 no Sul da Ásia e 88 na África subsaariana.
Em dez países do Caribe, a porcentagem de meninos em idade escolar que admitiram seu envolvimento em quadrilhas (gangues) variou de 17% a 24% em 2012. As mulheres ainda enfrentam muitas ameaças físicas e psicológicas: na Colômbia, há cerca de 100 ataques com ácido às mulheres por ano. De acordo com uma pesquisa de opinião, apenas 40% das pessoas na América Latina e Caribe (ALC) se sentem seguras.
No entanto, há tendências positivas. O milagre de Medellín na segunda maior cidade da Colômbia é exemplo de como uma abordagem multidimensional pode transformar uma cidade, que um dia foi célebre por sua taxa de homicídios (380 por 100 mil pessoas em 1991), em um lugar próspero e agradável para se viver.
“O desenvolvimento humano para todos é um compromisso que transcende nosso país e queremos que nosso trabalho impacte e enriqueça as vidas de cidadãos de outras nações”, afirmou o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2016, em sua contribuição especial para o relatório.
O acordo de paz na Colômbia está sendo implementado para pôr fim ao mais longo conflito armado na América Latina e no Caribe, o qual deixou mais de 6 milhões de pessoas internamente deslocadas na Colômbia, número entre os mais elevados do mundo.
Como enfrentar obstáculos
Para Helen Clark, do PNUD, ao eliminar normas e leis sociais profundas, persistentes e discriminatórias, e ao lidar com o acesso desigual à participação política, que têm impedido o progresso de tantos, a pobreza pode ser erradicada e um desenvolvimento pacífico, justo e sustentável pode ser alcançado.
Com esse fim, o relatório apela por atenção ao empoderamento dos mais marginalizados da sociedade e ao reconhecimento da importância de dar voz a eles nos processos de tomada de decisão.
O documento também pede análise mais refinada para subsidiar ações, inclusive mudar a avaliação do progresso em áreas como participação e autonomia. Os dados-chave, desagregados em características como local, sexo, status socioeconômico e etnia, são vitais para identificar quem está ficando para trás.
“Apesar das lacunas no progresso, o desenvolvimento humano universal é alcançável”, afirmou o diretor do Escritório do Relatório de Desenvolvimento Humano e principal autor do relatório, Selim Jahan. “Nas últimas décadas, temos testemunhado conquistas no desenvolvimento humano que antes eram consideradas impossíveis”.
O relatório destaca a importância da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável para aproveitar esses ganhos, observando que a agenda e a abordagem de desenvolvimento humano se reforçam mutuamente.
Sobre o relatório
O Relatório de Desenvolvimento Humano é uma publicação editorialmente independente do PNUD. Para obter downloads gratuitos do Relatório de Desenvolvimento Humano 2016, além de materiais de referência adicionais dos índices, visite: http://hdr.undp.org.
Relatório de Desenvolvimento Humano 2016 http://report.hdr.undp.org/.