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Sociedade se deu conta do fracasso do neoliberalismo, diz Correa sobre volta da esquerda no Equador

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Ex-presidente acusa Yaku Pérez, que pode disputar com seu aliado, de ser financiado pelos EUA

Sylvia Colombo
BUENOS AIRES

​Padrinho político do candidato Andrés Arauz, favorito para vencer as eleições presidenciais no Equador, o ex-presidente Rafael Correa diz que há um ressurgimento da esquerda na região devido à «desilusão com o neoliberalismo».

Vivendo na Bélgica desde que deixou o cargo, em 2017, e sem poder retornar a seu país por estar condenado a oito anos de cadeia por corrupção, Correa tem comandado à distância a campanha de Arauz.

Mas diz que não pretende assumir nenhum cargo público se o seu candidato vencer o segundo turno das eleições, em 11 de abril —pretende apenas assessorá-lo nos assuntos econômicos.

Do México, onde está dando uma série de palestras, o ex-mandatário equatoriano (2007-2017) falou com a Folha por videoconferência.

O sr. considerava que era possível que Arauz ganhasse a eleição já no primeiro turno. Isso não ocorreu. Está decepcionado? Não, eu sabia que isso podia acontecer. Por culpa do atual governo, há muita descrença dos equatorianos com relação à política. Isso fez com que muitos indecisos preferissem votar em candidatos que parecem ser uma novidade, como Yaku Pérez [Pachakutik] e Xavier Hervas [Esquerda Democrática]. Isso nos tirou um pouco de votos, e teremos de disputar um segundo turno.

Mas mesmo assim considero que nosso desempenho foi excelente. Conseguir mais de 30% dos votos com um candidato que era até então desconhecido, mostra que a população nos está dando um voto de confiança e demonstrando que quer nossas políticas de volta.

Pérez e Hervas são de esquerda. Das quatro opções que estão nos primeiros lugares, três são de esquerda (a outra é o direitista Guillermo Lasso). Considera que isso mostra que há mais espaço para a esquerda do que para a direita crescer no país? Não é assim, porque esses dois não são de esquerda. A nossa é a única candidatura de esquerda desta eleição. Hervas é da esquerda democrática, mas isso fica só no nome do partido. Eles estão aliados a Moreno e querem uma reforma trabalhista que flexibilize os contratos e deixe os trabalhadores mais vulneráveis.

E Yaku Pérez é de direita, está financiado pelos EUA. Essa candidatura foi criada para ser um plano B, caso Lasso não tivesse força para vencer. Não é uma candidatura de esquerda, está usando essa imagem e se vendendo como algo moderno, vanguardista, com a preocupação com o ambiente, mas isso é fachada. Pérez é tão de direita como Lasso.

Nossos mais de 30% de votos são uma vitória, ainda mais se considerarmos que não deixaram que minha imagem aparecesse na campanha, nem minha voz, não pude participar de modo direto da propaganda política de Arauz, e ainda assim nos deram esse apoio.

O sr. crê que, com uma eventual vitória de Arauz, estaríamos diante de um retorno da esquerda na América Latina? Nós nunca saímos. Nos tiraram. No Brasil, a democracia foi roubada por aqueles que colocaram Lula na cadeia e deram um golpe para tirar Dilma Rousseff do poder. Bolsonaro é um presidente democrático. Mas o Brasil é uma democracia entre aspas. Porque se Lula não tivesse sido preso, ele seria o presidente do país. Depois, na Bolívia, deram um golpe de Estado. No Equador, Lenín Moreno traiu nossos ideais.

Creio que há um ressurgimento da esquerda, sim, mas porque a sociedade se deu conta do fracasso dos governos neoliberais modernos.

O ponto chave desse processo ocorreu em 2014, com a mudança das condições do mercado internacional, com a desaceleração mundial, quando caíram os preços das «commodities». Foi então que a imprensa, que na América Latina pertence à elite, começou a dizer que o que estava ocorrendo era o fracasso das políticas socialistas. Mas não notaram que nós estávamos enfrentando crises imensas.

No Equador, eu combati uma crise feroz, e ainda assim conseguimos sair dela bem. Deixei o governo com a economia crescendo e sem aumento da pobreza e da desigualdade. Contornamos bem o problema. Mas a imprensa da região fez toda a propaganda possível para dizer que a esquerda tinha falhado e então começamos a perder eleições, houve um retorno do neoliberalismo.

A crise, que foi real, afetou a elite que deixou de ganhar como ganhava antes. Mas nós, líderes, cuidamos dos pobres, só que isso não foi mostrado.

Foram processos diferentes em cada país, não? Sim, mas com a finalidade em comum de favorecer as elites. No Brasil, foi por meio de um golpe parlamentar; na Argentina, a vitória de Macri sobre o peronismo foi por meio das urnas, mas com apoio do Grupo Clarín, ou seja, sob pressão da elite.

No Equador, foi democrático também, mas quem foi eleito resolveu nos trair e jogou nossas políticas no lixo para adotar o mais brutal neoliberalismo. Na Bolívia, um golpe. No Uruguai, a esquerda perdeu de modo legítimo pelas urnas, mas por menos de 1 ponto percentual. E, no Chile, veja o que está ocorrendo com os protestos. Portanto, não creio que a esquerda tenha perdido adeptos na América Latina, mas sim que as elites usaram distintas armas e recursos para voltar ao poder.

Mas as sociedades não são tontas, e estão nos reconduzindo a ele aos poucos.

E qual a diferença entre essas novas vitórias e as que levaram o sr. e os demais presidentes de esquerda a ganhar eleições nos anos 2000? Acho que as pessoas estão votando agora com mais elementos para comparar, ou seja, mais conscientemente. Nos anos 1990, havia caído o Muro de Berlim e havia acabado a Guerra Fria. Então veio a mensagem dizendo que América Latina tinha que ser neoliberal porque estávamos no fim da história.

E foi assim que o consenso de Washington impôs seus mandamentos na região. E eu pergunto: que consenso? Nós não tínhamos participado da decisão de que haveria um consenso. Foi uma determinação dos poderosos. Bom, veio o desastre do neoliberalismo, veja o que ocorreu em 2001 na Argentina, por exemplo.

Nós entramos, e veio a década mais próspera da região em muitos anos. Com crescimento do PIB, redução de pobreza, menos desigualdade, mais participação dos nossos países no mundo. Claro que os EUA não tolerariam isso. E pressionaram as elites locais a realizar ou golpes de Estado, como no Brasil e na Bolívia, ou vitórias democráticas, porém com elementos injustos, como na Argentina, onde a imprensa elegeu Macri.

Mas não deu certo, nem Macri, nem Jeanine Añez, nem Lenín Moreno. Foram governos fracassados em todos os aspectos. E as pessoas não são estúpidas. Sabem que conosco estavam melhor, por isso estão voltando a votar pelas nossas propostas.

Lenín Moreno culpa o sr. pelo aumento da dívida do Equador e, por consequência, da atual crise econômica. O que eu tomei de dívida virou bem-estar para a população, virou obras públicas que deram empregos. Moreno apenas aumentou a dívida sem asfaltar sequer uma rua. Agora seremos um dos países com maior queda do PIB no pós-pandemia, de mais de 11 pontos. Também somos um dos países com piores cifras com relação ao coronavírus, com menos vacinas compradas por habitante que o resto da América do Sul.

E ainda assim esse traidor diz que a crise do Equador é minha culpa. Ele ficou dizendo isso por quatro anos. As pessoas não são tontas, por isso estão nos elegendo de novo.

Os protestos de 2019 no Equador deixaram no ar uma necessidade de conciliar setores da sociedade, os indígenas, com o resto do país. O que se deve fazer? Nos meus dez anos de gestão não houve protestos indígenas, apenas algumas manifestações menores. Porque acreditamos que a única maneira de dar espaço aos invisibilizados, aos que sofrem por não terem voz, é dar-lhes oportunidades concretas. Nós criamos escolas, distribuímos sementes, investimos em incrementos para o campo, demos bolsas para universidades. É assim que se integram as minorias.

Moreno usou a força, a repressão brutal, deixou mortos e feridos, e esse problema só se agrava porque a crise econômica atinge essas comunidades em cheio.

Na Bolívia, o MAS (Movimento ao Socialismo) conseguiu eleger um sucessor para Evo Morales por ter se tornado um partido forte, com presença nacional. Por que o Alianza País (ex-partido de Correa) se diluiu? Por conta da traição de Moreno, ele destruiu o partido. O processo boliviano foi diferente, durou menos, apenas um ano, e houve muito esforço de Evo e dos militantes para manter sua bandeira forte. Eu cometi um erro, quando deixei o poder, ao também deixar a presidência do Alianza País com Moreno.

Se tivesse ficado comigo, hoje seríamos um partido forte como o MAS, mas o partido foi destruído, agora temos de reconstruir nossa força política. Mas estamos fazendo isso com a ajuda das pessoas, através do voto delas em nossas propostas.

Como é sua vida na Bélgica? Eu queria que fosse diferente. Tinha planejado dedicar-me à minha família, dar aulas e escrever livros. Também queria fazer o Caminho de Santiago de Compostela sem que ninguém me reconhecesse.

Mas não consegui, porque meu país vive hoje uma ditadura, promove contra mim uma perseguição jurídica. A cada dia que me levanto é uma nova denúncia contra a qual tenho de me defender. Também a atividade política se tornou necessária, para recuperar nosso espaço e tirar esse traidor do poder de modo democrático.
Qual a sua versão sobre o escândalo da Odebrecht no Equador [a construtora brasileira admitiu ter pago US$ 33 milhões em subornos e em caixa dois no país]? Eu não conheço ninguém da Odebrecht. Esse dinheiro nunca veio para mim nem para ninguém que trabalhava comigo. Se os gringos querem achar um culpado, que primeiro mostrem o cadáver. Há ex-integrantes do meu governo presos por conta do caso Odebrecht sem evidências, nunca surgiu uma prova de para onde teria ido esse dinheiro, pelo menos não por parte de ninguém do meu governo.

A perseguição à corrupção no Equador virou recurso para a perseguição política, e nenhum culpado por corrupção, de fato, foi preso ou condenado, como eu.

Qual é seu maior desejo, se pudesse voltar hoje ao Equador? Abraçar minha mãe, que tem 86 anos e que está confinada em casa por causa da pandemia.

RAIO-X
Rafael Correa, 57
Economista, foi presidente do Equador entre 2007 e 2017. Desde que deixou o poder, vive na Bélgica e não pode retornar ao seu país por estar condenado a oito anos de prisão por corrupção. Em 2018, se desfiliou do partido que fundou e com o qual governou, o Alianza País, devido a uma disputa com seu sucessor, Lenín Moreno. É padrinho político do atual candidato à Presidência, Andrés Arauz.

FOLHA DE S. PAULO

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