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Brasil patina no combate à homofobia e vira líder em assassinatos de LGBTs

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Foto: Agência Brasil/Marcello Casal
Foto: Agência Brasil/Marcello Casal

O país que exportou duas das transexuais mais requisitadas do mundo da moda, Valentina Sampaio e Lea T., também é um dos que mais mata transgêneros no mundo.

Só no primeiro quadrimestre deste ano, o número de assassinatos no grupo mais vulnerável da comunidade LGBT subiu 18% em relação ao mesmo período de 2016, até agora o ano mais violento da década para essas pessoas. A informação é dos grupos brasileiros Rede Trans Brasil e GGB (Grupo Gay da Bahia).

De acordo com o último relatório da ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais), o Brasil ocupa o primeiro lugar em homicídios de LGBTs nas Américas, com 340 mortes por motivação homofóbica em 2016 – a GGB conta 343. Os grupos brasileiros estimam que 144 desses homicídios sejam de travestis e transexuais.

Apesar de questionável devido à falta de monitoramento em países onde a homossexualidade é criminalizada, como Guiana Francesa e Barbados, e pela escassez de pesquisas oficiais por parte dos países, o dado é destaque desse relatório, que embasa as discussões da ONU sobre o tema e é lançado todos os anos para o Dia Mundial Contra a Homofobia, festejado nesta quarta-feira (17).

Embora haja conquistas recentes, como a autorização para servidores públicos usarem o nome social –aquele assumido publicamente e não o da certidão de nascimento– o país engatinha na promoção do respeito ao segmento no ambiente familiar, nas escolas e no trabalho.

«É nesses lugares onde nasce o preconceito que joga as travestis e transexuais na prostituição [estima-se que 90% se prostituem], estimulando o ódio desmedido de parte da sociedade», afirma Bruna Valim, 42, mulher transexual e articuladora da Rede Trans Brasil para SP.

Os registros da Rede e do GGB, colhidos a partir de notícias publicadas na imprensa e em redes sociais, revelam que os assassinatos de transgêneros não envolvem um, mas sim vários tiros de arma de fogo, múltiplas facadas e espancamento com pedras e pauladas –como no caso de Dandara dos Santos, 42, que teve sua morte por apedrejamento e tiros filmada por agressores em Fortaleza (CE).

Rubi de La Fuentes, 32, faxineira e banqueteira que tem cicatrizes de agressões sofridas. Foto: Keiny Andrade/Folhapress
Rubi de La Fuentes, faxineira e banqueteira que tem cicatrizes de agressões sofridas. Foto: Keiny Andrade/Folhapress

Extermínio que Rubi de La Fuentes, 32, escapou de agressões desse tipo quando, em 2015, uma amiga travesti foi morta a pauladas no parque do Carmo, na zona leste de São Paulo.

«Lembro muito bem quando a vi jogada no chão, com o cérebro para fora. Isso é muito comum na rua. Tenho cicatrizes por todo o corpo das facadas e das pauladas que levei. O medo de morrer me tirou da prostituição», conta.

Há cinco anos Rubi ganha a vida como faxineira e banqueteira. Há dois conheceu o namorado, com quem vive atualmente. No próximo mês, fará o que poucas iguais conseguem: completar o ensino médio. «Precisava provar para mim mesma que eu conseguiria estudar.»

 

AUTOFLAGELO

Segundo o secretário de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Toni Reis, por causa da discriminação nas escolas são raros os trans que conseguem concluir os estudos.

«Eles são expulsos não oficialmente. A transfobia é tão grande que a discriminação sofrida por eles é duas vezes maior do que com homens gays, que às vezes passam batido por não aparentarem ser homossexuais», explica.

A primeira Pesquisa Nacional Sobre Estudantes LGBT e o Ambiente Escolar, realizada em 2015 e conduzida por ele, aponta que 7,7% dos estudantes declarados LGBT são travestis ou transexuais. «Os depoimentos da maioria desses jovens [com idade média de 16 anos] revelaram, por exemplo, propensão ao suicídio.»

O autoflagelo também ocorre em prisões. O médico Sérgio Ferreira estudou por dois anos a prevalência de tuberculose em LGBTs presos no Complexo Prisional Campinas-Hortolândia (SP) e constatou que várias evitam buscar apoio médico para doenças por medo de preconceito.

«Muitas que eram portadoras de HIV deixavam de se tratar porque se sentem hostilizadas até no posto médico. Elas cortam os cabelos e são tratadas como homens no presídio, sendo destituídas da feminilidade», diz o médico.

Em 2016, segundo a Rede Trans Brasil, 64 transexuais e travestis tentaram suicídio -12 delas conseguiram.

O coordenador geral de políticas LGBT da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Ivan Batista, afirma que a pasta planeja criar um observatório, ainda sem prazo, que reúna informações sobre a população LGBT.

Os dados partiriam dos quatro CRDs (Centro de Referência à Diversidade) mantidos pela Prefeitura de São Paulo, que orientam e dão ajuda psicológica ao grupo. «Entendo que é difícil criar ações direcionadas sem dados precisos, e é isso que a secretaria quer conseguir», diz Batista.

 

ESTADO LAICO

Uma questão levantada por especialistas, ativistas e transexuais ouvidos pela reportagem sobre o preconceito contra LGBTs tem a ver com a intolerância religiosa. A mulher-trans Rubi de La Fuentes, por exemplo, diz que «encontra com Deus sozinha, em casa», porque já foi expulsa de muitos templos religiosos.

Mas nem em casa famílias homoafetivas estão alheias aos efeitos do preconceito e da intolerância religiosa. É disso que trata o documentário «Em Defesa da Família», da cineasta brasiliense Daniella Cronemberger. O título faz referência ao «slogan» da bancada evangélica no Congresso.

Documentário "Em Defesa da Família" mostra a influência do congresso nas famílias homoafetivas. Foto: Divulgação
Doc. «Em Defesa da Família» mostra a influência do congresso nas famílias homoafetivas. Foto: Divulgação

Lançado na internet nesta quarta (17), em página homônima no Facebook, o curta mostra como o discurso religioso molda o conceito de família defendido pelos deputados.

Enquanto a tela mostra o cotidiano do casal Vanessa e Marília, funcionárias do Congresso, com seus três filhos, o áudio de parlamentares em sessões do plenário destila o discurso de ódio baseado nas crenças religiosas.

«Eles [os deputados] refletem e reproduzem todas as agressões que a comunidade LGBT sofre, e não se consideram agressores ao dizerem, por exemplo, que a intenção dessas famílias [homoafetivas] é ‘acabar com a raça humana'», explica Cronemberger, citando um dos áudios reproduzidos no filme. Nem o nome nem a imagem dos parlamentares é revelada.

No ano em que o discurso homofóbico e centrado na religião surge no horizonte da Presidência da República, com o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) na vice-liderança das intenções de voto das eleições de 2018, segundo a última pesquisa Datafolha, os movimentos LGBT reagem.

A 21ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, uma das maiores do mundo e que acontece no dia 18 de junho, na Avenida Paulista, terá como tema o «Estado Laico».

«O evento trata o conceito do ponto de vista da tolerância com as religiões, mas é claro que há conotação política quando mais de 80% dos congressistas se dizem cristãos e parte deles advoga pela causa, ampliando a homofobia», diz Renato Viterbo, um dos organizadores da Parada.

Ele adianta que um dos eventos paralelos homenageará os 117 LGBTs assassinados até agora neste ano, segundo dados do GGB (Grupo Gay da Bahia). A ideia inicial era que no dia 11 de junho um parque recebesse uma muda para cada morte, mas não houve parque na região central que comportasse tantas árvores.

O ato foi alocado no Parque Vila do Rodeio, em Cidade Tiradentes, na zona leste, e com apenas cem mudas.

 

Folha de S. Paulo (matéria original: http://bit.ly/2qwnoYY)

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